O debate sobre o papel do Estado e do mercado na economia brasileira precisa superar polarizações e reconhecer suas funções complementares na infraestrutura
O Brasil, como é de geral conhecimento, passa por uma profunda polarização no debate público, de que resulta, com lamentável frequência, o desvirtuamento de temas centrais para o desenvolvimento do país.
Um desses temas é o papel do Estado na economia, questão que anima candentes discussões desde a publicação de “Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações”, de Adam Smith. De um lado se colocam aqueles que demonizam o Estado e julgam que o mercado é a fonte exclusiva do dinamismo econômico e da inovação. De outro, aqueles que sacralizam o Estado e reduzem a importância do mercado.
De tal dualidade maniqueísta decorrem inúmeros equívocos, muitos deles facilmente demonstráveis por simples fatos históricos. Como bem salienta a Professora Mariana Mazzucato, o antagonismo entre o setor público e o setor privado não passa de um mito que esconde obviedades – como, por exemplo, a constatação de que as inovações que alimentaram a dinâmica do capitalismo, das ferrovias à internet, são oriundas do investimento público – e também dificulta a reflexão sobre modelos alternativos de desenvolvimento social e econômico.
É preciso superar essa lógica binária e reconhecer que ao Estado e ao mercado correspondem funções indispensáveis e complementares, as quais devem ser definidas de maneira técnica, objetiva e não por modismos que ora postulam uma exagerada intervenção do Estado, ora um total absenteísmo.
No caso das infraestruturas a necessidade de colocar a discussão em seu devido lugar é ainda mais urgente. A provisão de infraestruturas é, ao mesmo tempo, um pressuposto do Estado e do mercado, uma vez que, sem ela, o primeiro não consegue exercer suas competências e o segundo é incapaz de produzir e circular riqueza. Não se pode abrir mão, pois, dos esforços públicos e privados no desenvolvimento da infraestrutura, independentemente da ideologia prevalecente em determinado período histórico. Aliás, não é por acaso que o próprio Adam Smith, considerado o pai do liberalismo econômico, qualificava a infraestrutura – por ele chamada de “trabalhos públicos para facilitar o comércio em geral” – como uma atividade essencial do Estado, ao lado da defesa nacional e da prestação jurisdicional.
Além disso, no Brasil, em tempos de juros básicos em baixa e de distribuição etária em faixas mais avançadas passaremos a entender infraestrutura também como um dos melhores investimentos de longo prazo da poupança da nação e, também, de outras nações que queiram coinvestir aqui. Como tal, necessita planejamento, estabilidade de regras que transcendam o tempo de múltiplos governos e de escolhas de Estado (muitas delas ligadas à segurança nacional e à visão de sustentabilidade).
A ideia central é de uma governança da infraestrutura nacional que reconhece que a privatização e a estatização, o investimento público e o investimento privado, a execução direta de serviços públicos e as concessões, em verdade andam juntos, se complementam e dependem uns dos outros. Governança que requer planejamento de longo prazo e escolhas das prioridades do investimento em matéria de infraestrutura, por meio da qual sejam aproveitadas, de maneira objetiva e sem preconceitos, as capacidades específicas do setor público e do setor privado.
André Clark é presidente e CEO da Siemens no Brasil. e CEO da Gas and Power (GP) no Brasil; Rafael Valim é advogado e professor universitário.
“Infraestrutura e os setores público e privado”, leia o original aqui.